Alto Paredão Pires, a região interiorana esquecida pelo Estado
- Grasiel Grasel
- 15 de jul. de 2019
- 6 min de leitura
Entenda como o descaso e a falta de planejamento levaram a região a ser uma terra abandonada pelo governo

Por vezes a situação de municípios interioranos é de extrema precariedade, especialmente por entraves burocráticos e orçamentários impostos pelo pacto federativo brasileiro e a centralização de recursos arrecadados que são destinados majoritariamente para a administração nacional e estadual. O reflexo da baixa arrecadação pode ser comumente visto na infraestrutura que a administração pública pode oferecer, criando áreas de grande vulnerabilidade social.
Agora, imagine a situação das regiões rurais destes municípios interioranos. Se as áreas urbanas por vezes já enfrentam problemas estruturais, o suporte às localidades de difícil acesso é ainda mais precário, como é o caso de Alto Paredão Pires, uma das zonas rurais que pertence ao município de Venâncio Aires e faz divisa com Santa Cruz do Sul e Boqueirão do Leão.
Assim como Boqueirão, Paredão Pires pertencia ao município de Lajeado até dezembro de 1987, quando os léo-boqueirenses tiveram o sonho da emancipação realizado. No processo de municipalização, um plebiscito foi realizado com os moradores para que fosse decidido se eles fariam parte do novo município ou se preferiam pertencer à Venâncio Aires, que havia demonstrado interesse em atender a região. O resultado da consulta pública configurou a situação geográfica atual e, de certa forma, condenou as famílias locais ao descaso.
Segundo um levantamento realizado pelo jornal Folha do Mate em 2013, na época mais de 90 pessoas possuíam bloco de produtor rural cadastrado em Boqueirão e 95% dos mais de 70 veículos utilizavam placas do município vizinho. Além disso, cerca de 70 pessoas possuíam título de eleitor em Boqueirão. Com isso, a maior parte do valor recolhido em impostos em Paredão Pires ficava no caixa da prefeitura léo-boqueirense, sem contar a escassez de eleitores que seriam de interesse de candidatos venancio-airenses. De acordo com Doraci dos Santos, 54 anos, produtor de tabaco e dono do único taxi da região, hoje a maioria dos documentos estão registrados em Venâncio, pois na última eleição majoritária (2018) houve um processo de regularização.
Para fins de contextualização, segue o mapa abaixo, que destaca a região conhecida como Alto Paredão Pires. Ela fica a 60km de distância do centro de Venâncio Aires e apenas 14 do centro de Boqueirão do Leão, sendo este o principal motivo dos moradores realizarem a maioria dos seus afazerem diários, como compras e movimentações bancárias, no município vizinho, movimentando muito mais a economia dele do que a da cidade na qual são pertencentes.

Infraestrutura precária
Talvez o maior e principal problema, já que este não afeta apenas os moradores locais, é a situação da principal estrada que liga os três municípios. São cerca de 4 quilômetros de muitos buracos e, principalmente, muita “ponta de pedra”, o que acaba gerando pneus furados para motoristas desavisados que atravessam o trajeto sem conhecê-lo.

Como a região de Alto Paredão, que pertence à Santa Cruz do Sul e é vizinha de Paredão Pires, não possui uma escola de Ensino Médio, em todas as tardes depois do meio dia um ônibus com mais de 40 alunos passa pela estrada para chegar à Escola Estadual Eugênio Franciosi, de Boqueirão. Da mesma forma, ao final do dia outro coletivo faz o mesmo trajeto para levar estudantes de Boqueirão e Alto Paredão até a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Devido à crise econômica e o alto custo de manutenção que a estrada gera aos ônibus, a empresa responsável pelo transporte já anunciou que 2019 será o último ano em que estará levando os universitários até Santa Cruz, mesmo que eles estejam pagando pelo serviço.
Outro problema estrutural que afeta o suporte à região é a falta de uma rede elétrica trifásica, o que por muitas vezes limita a potência dos equipamentos que os produtores podem usar em suas casas. Até mesmo um secador de grãos que foi instalado em Paredão Pires pelo poder público de Venâncio na década passada foi inutilizado pelo problema, pois, depois de pronta a obra, percebeu-se que a eletricidade fornecida para os moradores não era o suficiente para o maquinário funcionar. Abandonada, a estrutura do secador foi destruída pelo tempo e pilhada pelos moradores: “A construção foi caindo aos pedaços e o pessoal foi pegando partes. Teve um que até pegou umas telhas pra cobrir as que voaram na casa dele depois de uma tempestade” conta Doraci.

Acesso à saúde e água tratada
Por muito tempo Paredão Pires sequer teve acesso facilitado à saúde. Doraci conta que geralmente valia mais a pena ir até Boqueirão e pagar por uma consulta particular do que gastar com deslocamento até Venâncio Aires para ser atendido. Agora, desde março de 2017 a prefeitura vem disponibilizando atendimento uma vez por mês em um posto de saúde montado em uma antiga escola desativada na região, onde também ocorrem as pesagens do programa Bolsa Família.
Doraci acredita que a frequência do atendimento deveria ser maior, pois várias vezes o seu taxi é acionado para levar alguém até outro posto de saúde venancio-airense que abra regularmente. “Já teve dia que eu tive que fazer 5 viagens pra Venâncio levando gente, porque qualquer problema que acontece tu precisa ir à Venâncio, tu é obrigado a ir até o teu município, em Boqueirão eles não podem te atender”, conta o produtor.
A água própria para consumo vem de poços artesianos abertos pelos próprios moradores, que recebem como única ajuda da prefeitura o custeio da energia elétrica que as bombas consomem. O poder público do município chegou a instalar um sistema de tratamento de água de um açude em fevereiro deste ano que prometia beneficiar 35 famílias de Paredão Pires, o chamado “Salta-Z”, obtido a partir de uma parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no entanto, ele não é utilizado, pois os moradores não podem abrir uma rede que vai até as suas casas, é necessário buscar a água em uma torneira específica, então preferem utilizar a água de seus poços.

Não ser utilizado é o menor dos problemas do sistema de tratamento. Até o momento da publicação desta reportagem a bomba que faz o equipamento funcionar ainda não possui ligação na rede elétrica, sendo necessário utilizar uma extensão na rede de um vizinho. Outro impasse é relacionado a um suposto embargo na estrutura que, gundo os moradores, foi dada por um fiscal que apontou a necessidade de uma acessibilidade maior na área onde fica a torneira. Entrando em contato com a Vigilância Sanitária de Venâncio Aires fui informado que não existe notificação alguma sobre a bomba e que há apenas um boato gerado por uma moradora local que é ex-funcionária da prefeitura. O coordenador da Vigilância, Everton Nott, não quis nos fornecer informações sobre quem seria esta pessoa.
Em 2018, em entrevista ao jornal Folha Do Mate a prefeitura de Venâncio Aires disse estar em negociação com a Associação Hídrica de Alto Paredão, uma organização comunitária local com sede no território de Santa Cruz do Sul, para tentar estender a rede de água encanada administrada por eles até a região de Paredão Pires, mas a ideia nunca saiu do papel e a falta de água encanada ainda é uma realidade dos moradores.
Existe solução?
Uma das propostas mais populares, apoiada por muitos moradores de Paredão Pires, é de que a prefeitura de Venâncio Aires ceda o território para que ele seja anexado ao município de Boqueirão do Leão. O único e principal problema é que, para isso, os moradores locais precisam ter sua opinião consultada por meio de um plebiscito, um processo burocrático pelo qual Venâncio vem demonstrando não querer passar, provavelmente pelos custos que envolvem uma consulta pública em uma região de difícil acesso. Tentamos contato com um representante da prefeitura para falarmos sobre isso, mas não fomos atendidos até o momento da publicação desta reportagem.
Outra possibilidade foi levantada por moradores da região que pertence à Santa Cruz, o distrito de Alto Paredão Geral, que busca uma emancipação há décadas e demonstra interesse em abraçar Paredão Pires, mas ela não atinge os requisitos necessários para entrar em um processo de municipalização e também não possui arrecadação de impostos o suficiente para cobrir os custos de uma prefeitura e de uma câmara de vereadores.
Moradores de Alto Paredão Pires relatam que desde 2006 a região cobra a organização de um plebiscito para solucionar o impasse anexando seu território ao de Boqueirão, mas ele nunca virou pauta no poder legislativo venancio-airense. Em junho de 2013 mais de 100 famílias locais se reuniram e foram até a câmara de vereadores de Venâncio para cobrar uma iniciativa do poder público, mas o resultado não veio e, infelizmente, não existe outra saída por meio legal que resolva o problema. “Hoje a gente até se sente melhor atendido em vista do que era antes, não tá bom como a gente queria, mas a gente nunca sabe como vai ser em uma próxima gestão. Ano que vem tem eleição...” desabafa Doraci.
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